Artigo | Entendendo o Cinema Brasileiro
- Fernanda Terena
- 4 de jul. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 4 de jul. de 2021

Todo mundo está acostumado com as produções brasileiras, não apenas na TV aberta ou no streaming, mas no cinema. E , sempre que esse tema é levantado em pauta, surge inúmeras críticas e discussões sobre o “Cinema Nacional” ou “Cinema Brasileiro”, por isso, neste artigo vamos entender melhor a sua evolução e refletir as “motivações” desses argumentos.
A História
De forma bem breve, o cinema chegou ao Brasil por volta do ano de 1896 e exibia principalmente a realidade da sociedade europeia, além de outras produções importadas. As primeiras produções brasileiras, na verdade, começaram a ser filmadas pelos italianos Paschoal Affonso e Segreto, que registraram a vida no Rio de Janeiro, essas gravações ocorreram na Baía de Guanabara em 19 de Junho de 1898, o que ficou marcado como o “Dia do Cinema Brasileiro”.
Nossas produções iniciais eram, em sua maioria, documentais. Os filmes roteirizados demoraram mais para se desenvolver sendo que o primeiro curta-metragem foi exibido em 1908, Os Estranguladores, e o primeiro longa-metragem em 1914, O Crime dos Banhados. Porém, toda a indústria da cultura foi diretamente afetada durante a Primeira Guerra Mundial que após o seu termino, nos anos 20, o cinema Hollywoodiano começou a tomar conta não apenas do cenário cultural brasileiro, mas do mundo.
As produções norte-americanas receberam um grande investimento de verba para produção e publicidade nos anos que se seguiram, mas o real motivo do sucesso era a forma como eles construiam narrativas, dando uma cronologia linear as histórias lúdicas que conquistavam o público. Neste cenário, em 1942, após a visita de Walt Disney à América do Sul e aliado às intenções do governo americano em reforçar a “amizade” com outros países, foi lançado o “Alô, Amigos” estrelando o papagaio Zé Carioca que leva Pato Donald para visitar o Brasil. No filme em questão, é retratado diversos costumes como o samba, a cachaça e o carnaval, tudo ao som de Aquarela do Brasil e Tico-tico no fubá, além das referências à nossa estrela Carmen Miranda.
É importante repensar esse momento histórico, neste período, pela primeira vez nos vemos representados com tom de importância na indústria norte-americana. Vejamos que nós tivemos pouco tempo para desenvolver nossas produções e começamos a nos interessar e consumir mídia norte-americana, até que pudéssemos nos “apropriar” de sua estrutura narrativa.
Apenas nos anos 50 surgiu a primeira emissora de televisão no país, a TV Tupi, que enfrentou não apenas a escassez de atores e a dificuldade de distribuição em território nacional, mas também a realidade da população, uma vez que aparelhos de televisão e sua instalação eram caros e acima da renda da maioria das famílias brasileiras. O primeiro filme em cores do Brasil, Destino em Apuros, também foi lançado nesta época, além de considerarmos a popularização das “Chanchadas”, filmes cômicos e de baixo custo, houve também o primeiro filme nacional a vencer o Festival de Cannes, O Cangaceiro de 1953 por Lima Barreto.
Note que após essa ascensão ocorreu o Golpe Militar (1964- 1985) e durante esse período não apenas o financiamento dessas obras se tornou burocrático, mas também havia a censura. Dentre os anos 60 e 70 os movimentos de contracultura norte-americana aumentaram e buscavam se desvencilhar dos modelos existentes, também houve o surgimento da Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) que financiava e regulamentava as produções criando a Concine (Conselho Nacional de Cinema). Apesar do período complicado, produzimos diversos sucessos de bilheteria como Os Trapalhões e Dona Flor e Seus Dois Maridos que recebeu, em 1976, 10.7 milhões de espectadores se tornando recorde nacional até 2010 com o lançamento de Tropa de Elite 2.
Como nós sabemos que “pior do que está pode ficar”, em 1980 ocorreu a popularização do videocassete e com ele a “pirataria”, além da crise econômica que contribuiu para a redução de espectadores. Ocasionalmente, o mercado pornográfico também ascendeu e cada vez mais cineastas e documentaristas tinham menos verbas para produzir suas obras. Em contraponto a essa crise, o Festival de Gramado começava a ganhar relevância no mercado latino-americano.
Nos anos 90, a Embrafilme cessou suas atividades juntamente com o Ministério da Cultura, o Concine e a Fundação do Cinema Brasileiro, por isso até em 1992, com o impeachment de Collor, apenas 3 filmes foram lançados. Apesar das dificuldades, entre os anos de 92 a 2003 foram fundados a Secretaria de Desenvolvimento do Audiovisual, as Leis do Audiovisual e a ANCINE.
O auge do cinema brasileiro foi alcançado com produções de Central do Brasil (1998) com 2 indicações ao Oscar e Cidade de Deus (2002) com 4 indicações ao Oscar, ambos ganharam diversos prêmios no cenário internacional e “reviveram” o cinema nacional. Em paralelo a esse cenário, a televisão foi ganhando cada vez mais espaço nas casas e vidas da população e o público foi se envolvendo cada vez mais com as novelas, por isso, em 2003, 90% das bilheterias no cinema tiveram participação da Globo.
Gostaria de fazer uma menção honrosa ao nosso documentário “Democracia em Vertigem” que também foi indicado ao Oscar em “Melhor Documentário de longa-metragem”.
Vamos Repensar…
Agora que você conhece a história do cinema brasileiro, já consegue imaginar as dificuldades de produção, investimento e aderência do público que o segmento teve de enfrentar, mas não é verdade afinal, você com certeza já assistiu alguma novela ou minissérie, ou até mesmo algum programa de humor roteirizado né? Então por quê será que julgamos o cinema brasileiro se ainda assim o consumimos?
Simples! Influência norte-americana, mas calma, isso não é ruim. Sabemos que desde os primórdios que a cultura americana intervém em nosso estilo de vida e acaba nos deixando “habituados” com seus padrões estéticos e de produções, basta pensar, nós gostamos de nossas novelas, mas poucas novelas mexicanas realmente fazem sucesso por aqui, correto? (Calma, eu sei que algumas fazem sim, mas no geral as nossas são “melhores”) É tudo um padrão que estamos acostumados a consumir, isso se explica bem quando falamos de gostos musicais, tendemos a descartar aqueles que não ouvimos com frequência.
O ponto é que temos produções realmente boas e relevantes, posso citar N filmes, mas a lista deles virá no final deste texto, apenas não tivemos o mesmo tempo, a mesma infraestrutura e o mesmo investimento que os norte-americanos, mas talento e competência não nos falta. Valorizar o cinema e a cultura nacional é sim nosso dever como consumidores, estarmos abertos a receber essas produções e olharmos com um ponto de vista menos influenciado pode nos mostrar os motivos que o mundo e, principalmente, os países de línguas nativas do português valorizam nossos filmes e novelas.
Precisamos de fato refletir, muitos julgam o cinema brasileiro como “comédia”, sim nós as temos, mas a relevância das outras produções não pode ser anulada apenas pelo senso comum de que “brasileiro só faz comédia”, pois algumas são de fato boas e reconhecer que nós consumimos muitas comédias de qualidade questionável norte-americanas sem criticar (American Pie e Todo Mundo em Pânico, por exemplo).
O que realmente importa é que nosso cinema agora se adapta para as novas plataformas de maneira exemplar, cito por exemplo as séries originais da Globo para o serviço de streaming, as quais já foram mencionadas em festivais e eventos internacionais pela qualidade e pela relevância de seus temas. Apenas para exemplificar cito o grande sucesso americano que rendeu inúmeras temporadas “The Grey’s Anatomy” e nós possuímos em contraponto a realidade do servidor público em “Sob Pressão”.
Além da qualidade e diversidade de atores que temos, respeitados e homenageados em diversos eventos, ainda temos uma das melhores dublagens do mundo. Nossas equipes de dublagem são excepcionais na adaptação da linguagem, adequação de piadas e sem falar na caracterização única de personagens, são tão bons que merecem um texto só para eles.
Portanto, gostaria de convidá-lo a assistir (ou rever) a lista de filmes abaixo com produções exemplares para todos aqueles que estão dispostos a “olhar com outros olhos” o nosso cinema. (Deixei 5 séries excepcionais para serem assistidas também).
Lista | Filmes para rever seus conceitos
Carandiru – 2003 – Crime/Drama
Lisbela e o Prisioneiro – 2003 – Romance/Comédia
Auto da Compadecida – 2000 – Comédia/Aventura
Tropa de elite (1 e 2) – 2007 e 2010 – Ação/Crime
Que horas ela Volta? – 2015 – Drama
Malasartes – 2017 – Fantasia/Aventura
Se eu fosse você – 2006 – Comédia
2 filhos de Francisco – 2005 – Drama/ Biográfico
Bacurau – 2019 – Thriller/Faroeste
O palhaço – 2011- Drama/Aventura
Minha mãe é uma peça(1,2 e 3) – 2013, 2016 e 2019 – Comédia
Lista | Séries nacionais incríveis
Irmandade
Ilha de Ferro
Coisa Mais Linda
Sob Pressão
Carcereiros
Texto disponível em: https://pipocamaisrefri.com.br/
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